O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF 3) reformou sentença de primeira instância e aumentou a condenação à União para indenizar por danos morais o ex-integrante da União Nacional dos Estudantes (UNE) Maurice Politi. Inicialmente, foi estabelecida uma indenização de R$ 30 mil por danos morais, mas os desembargadores avaliaram que, pelo conjunto das provas, o valor deve ser ampliado para R$ 100 mil.
O Processo julgado foi de Nº 5009817-79.2021.4.03.6100 do TRF 3. Politi relatou, nos autos, que foi perseguido e monitorado durante o regime militar. Ele era aluno da Universidade de São Paulo (USP) e militante ativo do movimento estudantil.
Contou que, em 1968, passou a ser monitorado pelo Ministério da Aeronáutica, até que em abril de 1970, foi preso por 13 dias no Departamento Estadual de Ordem e Política Social (DEOPS) de São Paulo, onde foi brutalmente torturado, acusado de atos subversivos com base no Decreto-lei 898/69.
Em 1979, voltou a ser preso por 28 dias, novamente sob tortura, desta vez pelo DOI-CODI, e foi mantido incomunicável. Em 1972, Politi foi condenado pela Justiça Militar a 10 anos de reclusão. Obteve livramento condicional em 1973, mas voltou a ser preso e foi deportado para Israel em 1975. Só retornou ao país após a promulgação da lei de anistia.
A decisão que condenou a União destacou que as provas reunidas no processo mostraram a veracidade da denúncia e destacaram que toda a perseguição de que o então estudante foi vítima provocou abalo físico-psíquico tanto a ele, como também à sua família.
Danos morais X Reparação
Em contraponto, a União alegou prescrição do caso. Também argumentou que haveria impossibilidade de cumulação da indenização por danos morais com a reparação da Lei 10.559/2002.
Uma vez que tal legislação regulamenta o ato das disposições constitucionais transitórias e passou a considerar anistiados todos os que foram punidos, perseguidos e afastados das atividades (públicas ou privadas) por conta de pressões ostensivas durante a ditadura militar.
Advogados da União argumentaram, ainda, que faltavam requisitos no caso para responsabilização da administração pública. Mas para os magistrados do TRF 3 a condição de anistiado político em razão de perseguição durante o regime militar foi reconhecida pela própria União e não pode ser contestada.
O relator do processo no TRF 3, desembargador federal Nery Júnior, destacou que a responsabilidade civil da União se dá de forma objetiva, conforme art. 37 da Constituição e o artigo 927 do Código Civil, sendo “dispensada a prova de culpa ou dolo, bastando a demonstração da conduta, do dano e do nexo causal”.
Ao examinar os documentos, o julgador entendeu que “não há dúvidas de que o autor foi submetido a sucessivas prisões arbitrárias, torturas físicas e psicológicas, e sofreu grave violação aos seus direitos fundamentais, como a liberdade, integridade física e dignidade humana”.
Dano moral presumido
Ainda segundo o desembargador Nery Junior, o dano moral nesse tipo de situação é “in re ipsa” (presumido, em latim), e independe de prova da dor ou sofrimento, pois “decorre diretamente da conduta ilícita que atinge a dignidade da pessoa humana”.
Sobre a cumulação da indenização com a reparação administrativa, o magistrado afirmou que “as verbas têm fundamentos e finalidades distintas: enquanto a reparação econômica visa à recomposição patrimonial, a indenização por danos morais protege a integridade psíquica e emocional do indivíduo”.
O relator também rejeitou o argumento da União sobre a ausência de nexo causal. Para ele, “os documentos juntados comprovam, com segurança, que os atos foram praticados por agentes públicos, com motivação exclusivamente política”.
Conforme destacou o desembargador federal, o valor de R$ 100 mil está alinhado com os parâmetros estabelecidos pela 3ª turma para casos semelhantes, tendo em vista “a natureza pedagógica da indenização e a gravidade das violações sofridas”.