Por unanimidade, a 4ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou um brasileiro a pagar dívida no valor de US$ 1 milhão contraída em cassino de Las Vegas, nos EUA, e até a ter os bens executados para esse pagamento. No voto, o relator do caso, ministro João Otávio de Noronha, defendeu a validade da cobrança com base na legislação americana, dando prevalência à lei do local onde ocorreu o incidente.
Dessa forma, mesmo que os jogos de azar sejam proibidos no Brasil, a dívida contraída nos EUA, segundo o STJ, pode ser exigida judicialmente aqui sem que isso signifique ingerência na soberania nacional. O julgamento foi realizado por meio da apreciação do recurso especial (Resp) Nº1.891.844.
Na prática, o resultado do julgamento manteve decisão anterior que já tinha sido adotada no mesmo sentido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e em primeira instância. Na ação inicial, a empresa responsável pelo cassino ajuizou ação de execução judicial para cobrança de nota promissória assinada pelo devedor e não paga.
Mas o devedor entrou com um pedido de embargo alegando que a cobrança não poderia ser feita no Brasil. Mesmo após ele perder em dois recursos, recorreu ao STJ. Com a decisão de agora, o processo para execução da dívida poderá ter continuidade.
Decisão significativa
A decisão da 4ª Turma do STJ já foi observada em julgamentos sobre casos semelhantes pela Corte nos anos de 2008 e 2017, conforme informou o relator, ministro João Otavio de Noronha. Teve três pontos específicos destacados pelo voto do magistrado.
O primeiro, o fato de ter deixado claro que o Brasil não tem intenção de blindar ações de execução ajuizadas por empresas de outros países, para cobrar dívida contraída lá. Conforme afirmou Noronha, “isso seria o mesmo que estimular a inadimplência dos cidadãos”.
O segundo ponto destacado no voto do relator — e acolhido pelos demais ministros da Turma — foi a reafirmação da aplicação do artigo 9 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB), segundo o qual a obrigação é regida pela lei do lugar onde se constituiu. Assim, mesmo que jogos de azar sejam, em regra, proibidos no Brasil, a dívida contraída nos EUA (onde o jogo é lícito) pode ser exigida judicialmente aqui.
O terceiro ponto destacado foi o entendimento de que, caso não seja aceita a ação de cobrança em execução judicial pela empresa norte-americana ao devedor, o fato de não pagar uma dívida poderá gerar enriquecimento sem causa para a pessoa. Ou seja: A negativa de cumprimento da obrigação poderia violar princípios fundamentais do Direito brasileiro.
O ministro Noronha também ressaltou que não viu, na ação, qualquer violação ao Código de Processo Civil. “Como a legislação do estado de Nevada considera lícita a dívida de jogos, não há motivo para, no Judiciário brasileiro, existir óbice em relação à execução da dívida. “Pelo contrário, isso contrariaria a ordem jurídica brasileira”, enfatizou.
Hipocrisia
Durante o voto, João Otávio Noronha criticou o que chamou de “hipocrisia do ordenamento jurídico brasileiro” em relação aos jogos de azar. Ou seja, ao mesmo tempo em que se proíbe a instalação de cassinos, o Brasil permite apostas eletrônicas operada por empresas estrangeiras, como as denominadas “Bets”, que movimentam grande quantidade de dinheiro sem gerar retorno econômico para o país.
“Quem me conhece sabe que não sou adepto de jogos, mas acho que está na hora de enfrentarmos esse problema. As Bets estão aí, roubando dinheiro até do bolsa família. São propagadas todos os dias nas TVs, nos Iphones, nos Ipads. Quanto isso rende para o Brasil?”, questionou.
“E os cassinos, que são proibidos? Esse pessoal viaja a outros países para jogar. E gasta no exterior um dinheiro que poderia ficar aqui no Brasil. Será que não é o momento de nos debruçarmos mais sobre o tema?” indagou o magistrado.
Noronha ressaltou, ainda, a importância da boa fé na aceitação da dívida contraída. O voto do relator foi acolhido por unanimidade pelos demais ministros integrantes da Turma do STJ.