O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, nesta terça-feira (29), para permitir que, mesmo após o prazo decadencial de cinco anos, caso evidenciada a violação direta do texto constitucional, a Administração Pública revise anistias concedidas indevidamente sem comprovação de que o beneficiário tenha sofrido perseguição exclusivamente política. Com isso, os ministros confirmam a validade da tese fixada no Tema 839 da repercussão geral.
O julgamento, que ocorre no plenário virtual, deve ser encerrado até às 23h59 desta terça. Até agora, a relatora, ministra Cármen Lúcia, foi seguida pelos ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Flávio Dino, Edson Fachin, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, André Mendonça e Gilmar Mendes.
Entenda o caso
Em fevereiro deste ano, o STF invalidou portarias que haviam anulado a anistia política concedida a cabos da Força Aérea Brasileira afastados no início do regime militar. A ação, apresentada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, questionava 313 atos, mas como a maioria das portarias já havia sido anulada por decisões judiciais ou administrativas, a decisão se aplica apenas a 36.
A relatora, ministra Cármen Lúcia, considerou que a expedição de mais de 300 portarias pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, de forma generalizada e sem a devida individualização da situação específica de cada anistiado, contraria a segurança jurídica, o contraditório e a ampla defesa. O que, segundo a ministra, contraria a tese de repercussão geral fixada no Recurso Extraordinário (RE) 817338 de que é possível revisar a anistia de cabos da Aeronáutica, desde que comprovada a ausência de motivação política e assegurado ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal.
Diante disso, a Advocacia-Geral da União apresentou embargos de declaração manifestando receio de que a decisão pudesse ser interpretada de forma a sinalizar que o mero transcurso de tempo ou a circunstância de uma pandemia constituíssem fundamentos suficientes para estabilizar atos ilícitos, impedindo a instauração de novos processos administrativos revisórios, em sentido oposto ao entendimento firmado no (RE) 817338, com repercussão geral reconhecida.
Cármen Lúcia ressaltou que aceitou parcialmente o recurso da AGU, “apenas para esclarecer que o que foi assentado no acórdão embargado não implica no cancelamento ou superação do Tema n. 839 deste Supremo Tribunal”. Para a ministra, a decisão é importante para evitar que a tese firmada na ADPF 777 seja interpretada equivocadamente como um overruling – superação ou revogação – do Tema 839.
Embargos
O caso é discutido no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 777 que questionava portarias do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que revogaram a anistia concedida a 313 cabos da Aeronáutica afastados no início da ditadura militar.
A AGU sustentou que a pretensão de incluir portarias que já tiveram apreciação judicial em outras instâncias no rol de portarias declaradas inconstitucionais “representa o uso da ADPF como sucedâneo recursal, o que é rechaçado pela jurisprudência do STF”.
Segundo a Advocacia-Geral, a interpretação mais extensiva do acórdão firmado na ADPF 777 poderia anular inúmeros outros processos de revisão da anistia e a União poderia ser condenada a pagar até R$487 milhões, valor que, corrigido pela Selic, pode alcançar R$29 bilhões.