O Supremo Tribunal Federal (STF) discute, no plenário virtual, se pode ser enquadrada como crime de prevaricação a atuação dos membros do poder Judiciário e do Ministério Público que, no exercício de suas atividades funcionais e com amparo em interpretação da lei e do direito, sustentam posição discordante da defendida por outros membros ou atores sociais e políticos. O tema é objeto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 881. O julgamento termina no dia 29/04.
Em fevereiro de 2022, o relator, ministro Dias Toffoli, deferiu liminar para impedir que magistrados e membros do MP sejam responsabilizados por crime de prevaricação, previsto no art. 319 do Código Penal. Agora, o Plenário analisa se mantém essa decisão. Em sessão virtual, Dias Toffoli, reviu o seu posicionamento inicial e votou para revogar a medida cautelar concedida em parte e, no mérito, julgou o pedido improcedente. Até o momento, o relator foi seguido pelo ministro Cristiano Zanin.
Mudança de posição
Ao rever sua posição, o ministro Dias Toffoli esclareceu que, na época, entendeu que a norma poderia dar margem à violação de preceitos constitucionais referentes à independência do poder Judiciário e à autonomia do Ministério Público, assim como à independência funcional dos membros dessas instituições, em franca violação do Estado Democrático de Direito.
No entanto, ele destacou que, após o voto divergente do ministro Edson Fachin, refletiu melhor sobre o tema. Segundo Toffoli, o dispositivo constitucional confere aos membros da magistratura e do MP deveres e prerrogativas simétricas, como, por exemplo, a independência funcional.
Para o ministro, essas características funcionam como garantias constitucionais institucionais, com o objetivo de resguardar o poder Judiciário e o Ministério Público da ingerência dos demais Poderes da República, além de assegurar que as decisões e as manifestações jurídico-processuais sejam proferidas por seus membros de forma isenta, impessoal e livre de influência e de qualquer tipo de pressão (interna ou externa).
Não é salvaguarda
O relator esclareceu que não se trata de afirmar que o juiz e o membro do Ministério Público não podem ser responsabilizados criminalmente pelo que fazem no exercício das atribuições do cargo. Mas apenas que essa responsabilidade não decorre somente, por exemplo, de uma decisão proferida em sentido contrário à jurisprudência sobre a matéria ou de um parecer em descompasso com o entendimento majoritário.
“Ora, a divergência e a discordância são inerentes à atividade de interpretação do direito, diuturnamente desempenhada por esses profissionais. Mais que isso: a divergência e a discordância são imprescindíveis para a solução dialética das controvérsias”, concluiu.
Segundo Toffoli, a adequada fundamentação das decisões judiciais e dos pareceres do Ministério Público, além de legitimar o poder Judiciário e a instituição ministerial, impede que os membros da magistratura e do Ministério Público, ao atuarem no exercício regular das atribuições do cargo, incidam no tipo incriminador do crime de prevaricação (CP, art. 319).
Por fim, o ministro considerou que o efeito jurídico desejado pelos requerentes da ação deve vir da interpretação sistemática da legislação codificada, e não diretamente do texto constitucional. Por essas razões, o ministro negou o pedido.
Crime de hermenêutica
Na ação, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) pediu o afastamento da possibilidade de incidência do crime de prevaricação à atividade de livre convencimento motivado dos membros do Ministério Público e do poder Judiciário.
O artigo 319 do Código Penal (CP) considera como crime praticado por funcionário público “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. Segundo a Conamp, o tipo prescrito no dispositivo pode ser utilizado para a criminalização de manifestações e de decisões dos membros do poder Judiciário e do Ministério Público fundadas em interpretação jurídica do ordenamento jurídico – o chamado “crime de hermenêutica”.
A Conamp também requereu a fixação de interpretação de dispositivos do Código de Processo Penal (CPP) para excluir a possibilidade de deferimento de medidas na fase de investigação, sem pedido ou manifestação prévia do Ministério Público.