O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta quarta-feira (23) o julgamento de um recurso extraordinário que pode definir os limites da inelegibilidade para candidatos que ocuparam temporariamente, como substitutos, cargos de chefia do Poder Executivo. A questão central em análise é se a substituição de prefeitos, governadores ou presidente por breve período, decorrente de decisão judicial, configura causa legítima de inelegibilidade para um mandato consecutivo.
O caso, registrado como Recurso Extraordinário (RE) 1355228, teve repercussão geral reconhecida pelo tribunal (Tema 1.229), o que significa que a decisão tomada pelo STF será aplicada a todos os processos semelhantes em tramitação nas diversas instâncias do Judiciário. Durante a sessão, os ministros ouviram os argumentos das partes envolvidas, estabelecendo as bases para uma definição que terá impacto significativo na interpretação das regras eleitorais.
A discussão jurídica gira em torno da interpretação do artigo 14, parágrafo 5º, da Constituição Federal, que limita a reeleição para um único período subsequente nos cargos de chefia do Executivo. O tribunal busca definir se essa regra se aplica integralmente a quem exerceu o cargo por curto período como substituto, especialmente quando essa substituição não foi voluntária, mas determinada por decisão judicial.
Detalhes do caso concreto
O recurso em julgamento originou-se de um caso específico envolvendo um vice-prefeito que assumiu temporariamente a chefia do Executivo municipal após o afastamento judicial do titular. Ao tentar se candidatar ao cargo de prefeito na eleição seguinte, teve seu registro impugnado sob o argumento de que já havia exercido o cargo e estaria, portanto, tentando uma reeleição vedada pela Constituição.
A defesa do candidato argumenta que a substituição temporária, especialmente quando decorrente de decisão judicial e não de sucessão definitiva, não deveria gerar a inelegibilidade. Sustenta que o impedimento constitucional visa evitar a perpetuação no poder, o que não ocorreria no caso de uma substituição breve e circunstancial, sem que o substituto tenha tido tempo ou condições de utilizar a máquina pública em benefício próprio.
Já os defensores da inelegibilidade argumentam que a Constituição não faz distinção entre exercício definitivo ou temporário do cargo, focando apenas no fato objetivo do exercício da chefia do Executivo. Para esta corrente, qualquer período no comando do Executivo, mesmo que por substituição, já caracterizaria o exercício de um mandato para fins de contagem do limite constitucional.
Repercussões da decisão
A definição que será dada pelo STF terá amplo alcance no cenário político-eleitoral brasileiro, podendo afetar diretamente candidaturas em todo o território nacional. Especialistas em direito eleitoral destacam que muitos vice-prefeitos, vice-governadores e mesmo o vice-presidente da República poderão ter sua elegibilidade futura condicionada ao entendimento que for firmado pela Corte.
O caso também levanta discussões sobre o equilíbrio entre o princípio republicano da alternância de poder e o direito fundamental à elegibilidade. Por um lado, a limitação de mandatos consecutivos busca evitar a perpetuação de grupos políticos no poder; por outro, restrições excessivas à elegibilidade podem prejudicar o pleno exercício dos direitos políticos por cidadãos que ocuparam cargos de forma transitória e excepcional.
O relator do caso é o ministro Nunes Marques, que apresentará seu voto após a conclusão da fase de sustentações orais. Advogados constitucionalistas ouvidos sobre o tema avaliam que o tribunal tende a buscar uma solução intermediária, possivelmente distinguindo situações de substituição muito breve daquelas em que o substituto permaneceu tempo suficiente para caracterizar efetivo exercício do mandato.
Precedentes e contexto jurídico
A jurisprudência do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já possui alguns precedentes sobre o tema, mas com interpretações nem sempre uniformes, o que justifica a necessidade de uma definição com repercussão geral. Em decisões anteriores, o TSE chegou a considerar que substituições por períodos inferiores a seis meses não configurariam impedimento para candidatura ao mesmo cargo na eleição subsequente.
Entretanto, casos mais recentes têm gerado divergências nas cortes eleitorais regionais, com algumas decisões entendendo que mesmo curtos períodos de substituição já caracterizariam o exercício de um mandato para fins de contagem do limite de reeleição. Esta falta de uniformidade no entendimento jurisprudencial é justamente o que o STF busca corrigir com o julgamento deste recurso extraordinário.
A análise do caso prosseguirá nas próximas sessões, com a apresentação do voto do relator e posterior manifestação dos demais ministros. A expectativa é que a decisão final seja proferida ainda neste semestre, em tempo de orientar os tribunais eleitorais para as próximas eleições.