Por unanimidade, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou nesta terça-feira (06) a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra sete militares e policiais integrantes do chamado “Núcleo 4”, referente à tentativa de golpe de Estado, no âmbito da Pet 12100. Com a decisão, todos os acusados se tornaram réus em uma ação penal que tramitará no STF, marcando mais um capítulo na investigação sobre a trama golpista descoberta após as eleições presidenciais de 2022.
O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, destacou que, nessa fase processual, o que se analisa é a presença e comprovação da materialidade dos delitos. Em seu voto, afirmou que a acusação da PGR foi detalhada, expondo todas as circunstâncias e provas referentes aos atos praticados pelos denunciados, que integravam uma estrutura responsável por divulgar informações falsas contra o sistema eleitoral, o Poder Judiciário e outras instituições democráticas.
Estrutura da organização criminosa
“Houve a montagem do chamado gabinete de ódio, havia núcleo de produção de notícias fraudulentas, núcleo de divulgação de notícias fraudulentas, núcleo de financiamento de notícias fraudulentas e o núcleo político. Esses fatos são comprovados”, declarou Moraes durante a sessão de julgamento.
O ministro afastou alegações de inépcia da denúncia e considerou haver justa causa para a abertura da ação penal. Segundo ele, todos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal estão presentes no documento apresentado pela PGR: há exposição coerente dos fatos, descrição satisfatória dos tipos penais e indícios suficientes de autoria, permitindo aos acusados exercerem plenamente sua defesa.
Moraes fez questão de enfatizar o perigo das milícias digitais, destacando que a denúncia demonstra como o grupo usava o mesmo modus operandi para, a partir de ataques a pilares da democracia, tentar usurpar o poder. “Não se pode, de maneira alguma, relativizar a força, que pode ser uma força maléfica, das redes sociais”, ressaltou.
Perfil dos acusados e suas condutas
Entre os denunciados que agora se tornaram réus está Ailton Gonçalves Moraes Barros, major da reserva do Exército. Segundo a acusação, após a negativa dos comandantes do Exército e da Aeronáutica em aderir à trama golpista, Ailton, que tinha papel relevante na organização criminosa, passou a agir nos ataques e intimidações contra o general Freire Gomes e o tenente-brigadeiro Baptista Junior.
A denúncia indica que ele teria recebido orientações de Braga Netto, então candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, para coagir os chefes das Forças Armadas que se recusaram a participar do golpe. Moraes exibiu troca de mensagens com Braga Netto em que Ailton prometia manter as ofensivas contra Freire Gomes, chegando a afirmar: “vamos oferecer a cabeça dele aos leões”.
Outro denunciado é Ângelo Martins Denicoli, também major da reserva do Exército, que segundo a PGR auxiliava Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin, na produção de material de desinformação e fazia a ponte entre jornalistas e influenciadores que disseminavam notícias fraudulentas.
Falsificação de laudos e espionagem
Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, presidente do Instituto Voto Legal, é acusado de ter produzido, a pedido do Partido Liberal (PL), um laudo “totalmente falso” que apontava supostas falhas nas urnas eletrônicas. O objetivo, segundo a denúncia, era contestar os resultados eleitorais e anular somente os votos registrados em determinados equipamentos.
Moraes destacou que, mesmo depois de ter sido alertado pela empresa contratante sobre as inconsistências do documento, o presidente do Instituto Voto Legal apresentou o relatório e concedeu entrevistas sobre o laudo falso, alimentando notícias fraudulentas sobre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e as urnas eletrônicas.
“A desinformação sendo utilizada como instrumento para corroer as instituições democráticas, em especial, a Justiça Eleitoral, para com isso jogar a população contra o Poder Judiciário e permitindo na sequência um golpe de Estado”, afirmou o ministro.
Segundo o ministro, há provas que também apresentam a justa causa para a ação penal contra Reginaldo Vieira de Abreu, coronel do Exército que atuou como chefe de gabinete do general Mário Fernandes, então secretário-geral da Presidência.
De acordo com a PGR, o militar praticou ações criminosas para alinhar o relatório do Exército ao documento falso sobre as eleições de 2022. Ele é investigado também na operação Contragolpe por supostamente integrar grupo que planejava sequestrar autoridades. Em conversa interceptada, defendeu uma ruptura democrática.
Espionagem e ataques a ministros
Giancarlo Gomes Rodrigues, subtenente do Exército, é acusado de realizar pesquisas contra alvos escolhidos pela organização criminosa para a produção de notícias falsas. Uma das formas de execução dessas pesquisas, segundo a PGR, foi o uso indevido do sistema espião First Mile, da Abin.
A acusação afirma que ele elaborou conteúdos falsos contra ministros do STF. “Há fortes indícios e provas na produção de informações inverídicas relacionadas aos ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux do Supremo Tribunal Federal com a finalidade de desacreditar os ministros, desacreditar o STF e descredibilizar o processo eleitoral”, destacou Moraes.
Guilherme Marques de Almeida, tenente-coronel do Exército, é acusado de ter encaminhado links de acesso a uma transmissão ao vivo do influenciador argentino Fernando Cerimedo, que propagou ataques contra o sistema eleitoral brasileiro e divulgou um dossiê falso.
Moraes afirmou que a denúncia contra Marcelo Araújo Bormevet, agente da Polícia Federal, deve ser aceita pelos mesmos elementos e provas apresentados contra Giancarlo Rodrigues.
Posicionamento unânime dos ministros
O ministro Flávio Dino, primeiro a votar após o relator, também considerou haver indícios suficientes para receber a denúncia contra os sete acusados do Núcleo 4. Dino rebateu alegações das defesas de que haveria fatos relacionados apenas a terceiros e classificou a divulgação de notícias falsas como “instrumentos de envenenamento social, usados para asfixiar a verdade”. Segundo ele, “fake news matam moralmente, psicologicamente, criam danos mentais e assassinam reputações”.
O ministro Luiz Fux manifestou perplexidade com os elementos que demonstram que as ações contra o sistema eleitoral tinham como objetivo final o crime contra o Estado Democrático de Direito. A ministra Cármen Lúcia, por sua vez, reforçou os prejuízos das notícias falsas: “Quando a mentira se põe a serviço dos ódios, as consequências são muito pouco humanas e, principalmente, nunca serão democráticas”.
Para a ministra, a mentira é um veneno político que funciona “como commodities para comprar a antidemocracia”. O presidente da 1ª Turma, ministro Cristiano Zanin, também votou para receber integralmente a denúncia oferecida pela PGR contra os sete acusados.
Próximos passos do processo
Com o recebimento da denúncia, os acusados se tornaram réus, iniciando-se uma nova etapa processual que inclui apresentação de defesas preliminares, produção de provas e interrogatórios. A Primeira Turma já recebeu denúncias contra 21 pessoas acusadas pela PGR de integrarem os Núcleos 1, 2 e 4 da tentativa de golpe, entre elas, o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Todos respondem por cinco crimes: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, envolvimento em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. A análise das acusações contra os 12 acusados que integram o Núcleo 3 está agendada para os dias 20 e 21 de maio.