Penduricalhos e auxílios diversos para o Judiciário e o Ministério Público sempre chamaram a atenção pelos benefícios oferecidos aos integrantes destas carreiras, mesmo assim não deixam de ser normatizados internamente. Enquanto o caso mais recente, que ganhou destaque nacional, ainda repercute —o bônus de fim de ano concedido pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso a servidores e magistrados, de cerca de R$ 10 mil (que dias depois foi suspenso pelo Conselho Nacional de Justiça) outros tipos de pagamento têm sido constatados, como o dos vencimentos de ministros do Superior Tribunal Militar referentes ao mês de dezembro.
Contando somente por baixo, chegam a seis as iniciativas concedidas nos últimos 12 meses, por órgãos diversos do Judiciário brasileiro. Em relação à Justiça Militar da União, conforme dados referentes a esse setor, o STM efetuou pagamentos líquidos superiores a R$ 300 mil para 33 magistrados de primeira instância e alguns ministros. Dentre eles, figuram os ministros José Barroso Filho (que recebeu R$ 307,8 mil), general Odilson Sampaio Benzi (R$ 318,5 mil) e Artur Vidigal de Oliveira (R$ 316 mil).
A futura presidente do Tribunal, ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, não ficou entre os que receberam nessa faixa, mas seu salário chegou perto: ficou em R$ 294 mil líquidos com a soma de todas as gratificações. O atual presidente, brigadeiro Francisco Joseli Parente Camelo, teve contracheque de R$ 298,4 mil. Está claro que os valores superam, em muito, o teto constitucional de salários, que é de R$ 44 mil brutos, mas o argumento é o mesmo de sempre: vários desses valores são referentes a pagamentos atrasados de vantagens e gratificações, com reajustes.
Em dezembro, alguns magistrados da Justiça Militar receberam gratificações como a que é concedida por exercício cumulativo de jurisdição e a licença compensatória, além de direitos pessoais e indenizações – previstos e calculados a partir de cada situação. De acordo com os dados divulgados, os pagamentos mais altos foram registrados nas circunscrições militares do Rio de Janeiro, Distrito Federal, Goiás, Tocantins, Paraná e Santa Catarina.
Volta dos quinquênios
Em novembro passado, em sessões diferentes, o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Superior do Trabalho aprovaram o retorno do pagamento de quinquênio para magistrados dos dois tribunais — benefício que cria um adicional de 5% dos salários a cada cinco anos.
Na verdade, o que se deu foi a reintegração, nas duas Cortes, da chamada remuneração do Adicional por Tempo de Serviço (ATS), autorizada meses antes pelo Conselho Nacional de Justiça. Os quinquênios existiam até 2006, quando foram extintos. Com a retomada da ATP, além da volta do benefício, essas duas cortes decidiram normatizar, em sessões administrativas, que os ministros que já atuavam na magistratura naquela época e deixaram de ter direito a tais valores, não apenas receberão daqui por diante, como serão restituídos do que deixaram de receber nos últimos 19 anos.
A votação dos ministros do TST e do STJ deixou de lado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata do tema e está em tramitação no Senado Federal. A matéria, porém, é vista como “pauta bomba” no Congresso, pelo impacto orçamentário que possui, e sofreu constantes atrasos por parte dos parlamentares — não tem previsão para ser votada.
A brecha para retorno dos quinquênios por decisão do próprio Judiciário, partiu do CNJ. Em 2023, a partir de mobilizações de entidades de magistrados, o então corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, chancelou o pagamento. Com base nisso, os tribunais intensificaram as autorizações para retomada do benefício.
Balanços feitos por entidades de magistrados, juízes e procuradores são de que, hoje, 14 tribunais de Justiça e cinco Cortes federais recebem mensalmente benefícios extras nos seus contracheques, a título de ATS. Mas considerando-se que o país tem 92 Tribunais, o número deve ser maior – ou vir a aumentar até o final do ano.
As resoluções dessas Cortes que já aprovaram a reintegração da ATS definem que o teto remuneratório constitucional de cada pagamento deve ser “observado mês a mês”. O problema é que nem todos os “penduricalhos” oferecidos são considerados propriamente salários.
Favoráveis e contrários
Um dos principais argumentos de entidades dessas carreiras, como a Associação dos Juízes Federais (Ajufe), é de que existe pouca progressão na remuneração dos magistrados e promotores ao longo da trajetória deles no serviço público. E essas contribuições seriam uma forma de valorizar e manter os bons profissionais.
Mas para os críticos, não faz sentido garantir progressão salarial por tempo de trabalho sem critérios de produtividade ou mérito. Em abril do ano passado, a Federação Nacional dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Judiciário Federal e Ministério Público da União (Fenajufe) afirmou, em nota, que o quinquênio “ocupa ainda mais o orçamento com a cúpula, não deixando espaço para as reivindicações básicas dos servidores”. E que consiste numa “ampliação dos privilégios e penduricalhos destinados à mais alta cúpula do Poder Judiciário”.
Em entrevista ao jornal Estado de São Paulo, o diretor do Instituto Millenium, Wagner Lenhart, considerou a volta do quinquênio uma iniciativa “irresponsável, imoral e inaceitável”. “A gente não pode esquecer que vivemos num país de renda média baixa, que tem diversos problemas sociais, onde quem recebe R$7 mil já é enquadrado entre os 10% mais ricos. Esse tipo de benefício para pessoas que têm níveis remuneratórios muito mais altos não parece fazer qualquer sentido”, frisou.
Estímulo à lotação
E os exemplos não param. Em julho do ano passado, o CNJ aprovou, por unanimidade, que, a partir de 1º de janeiro de 2025, juízes e juízas federais e estaduais têm direito a receber um novo benefício que irá render mais de R$ 7,2 mil mensais a vários deles. Trata-se da chamada “Política Pública de Estímulo à Lotação e à Permanência de Magistrados(as) em Comarcas de Difícil Provimento”. Tem como objetivo, segundo os conselheiros, “instituir política de estímulo à lotação e à permanência de magistrados em comarcas definidas como de difícil provimento”.
O novo benefício dá o direito a um dia de licença compensatória a cada quatro dias de lotação com residência na sede da comarca, com possibilidade de conversão da licença em indenização. Considerando que o subsídio de um juiz estadual em início de carreira é de R$ 28,9 mil, o adicional parte de cerca de R$ 7,2 mil.
Em setembro passado, o Conselho da Justiça Federal aprovou outra medida emblemática: decidiu que deve ser paga correção monetária referente ao auxílio-moradia a 995 juízes federais. O CJF, na verdade, aprovou um pedido da Ajufe, que alegou que a correção monetária da Parcela Autônoma de Equivalência (PAE), paga entre 1994 e 2002, deveria ser feita com base no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e não com base na Taxa Referencial.
O relator da ação no STJ que acolheu o pedido da Ajufe, ministro Benedito Gonçalves, ressaltou no dia da votação que o histórico de pagamento do ATS mostra que esse valor é geralmente distribuído como verba indenizatória, não contabilizada como salário. O TST, incluiu na resolução sobre o tema que “o pagamento está condicionado à disponibilidade econômico-financeira da Corte”. E o CNJ, que aprovou o retorno do ATS e de outras gratificações, levou em conta os argumentos das entidades de defesa dos magistrados.