O plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, validou as taxas estaduais de prevenção de combate a incêndios, busca, salvamento e resgate, instituídas pelos Corpos de Bombeiros. Os ministros também consideraram inconstitucionais as cobranças estaduais de vistoria veicular. O julgamento, concluído nesta quarta-feira (26/03), analisou três ações que discutiam a validade de taxas do Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Pernambuco.
Na semana passada, o relator de uma das ações, ministro Dias Toffoli, votou para declarar a taxa constitucional. Na sessão desta tarde, o relator das outras duas ações, ministro Edson Fachin, defendeu a parcial constitucionalidade da cobrança de vistoria veicular do estado de PE e da emissão de certidões do RJ.
Ao validar a taxa de prevenção e extinção de incêndio do estado do Rio Grande do Norte, Fachin ressaltou que a cobrança pode ser compreendida de forma distinta.
“Compreendo ser possível diferenciar atividade de segurança pública financiada por impostos e atividades específicas e divisíveis que autorizem a cobrança de taxas”.
O ministro lembrou que, em 2020, o STF considerou inconstitucional a instituição de taxas para o financiamento de atividades de segurança pública especificamente para financiar os serviços prestados pelos bombeiros. E que, em 2019, o Supremo definiu circunstâncias em que as atividades de segurança pública podem autorizar a instituição de taxas, desde que essas ações governamentais sejam específicas e divisíveis. O relator disse que, na época, havia acompanhado o entendimento. No entanto, considerou necessário revisar a matéria agora.
“Há relevantes mudanças fáticas a demandar uma compreensão renovada do STF”, afirmou.
Ele citou dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) que apontam recorde de ocorrências de desastres hidrológicos e geo-hidrológicos, com a emissão de 3.620 alertas, em 2024. Também mencionou norma da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre meio ambiente.
“É dever deste Tribunal a guarda da Constituição e também do meio ambiente”, disse o ministro.
Ao acompanhar Dias Toffoli, Fachin reforçou que o voto dele levou em conta os desastres ocorridos nos últimos anos.
“ A atuação preventiva a posteriori do Estado em matéria de desastre distingue-se da tradicional atuação vinculada à segurança pública, mais do que isso, os novos e lamentáveis desastres têm sido muito mais danosos e trágicos e essa dimensão se agrava ao atingir a população mais vulnerável”.
“O enfrentamento de tais eventos requer novas respostas e novas ações além das tradicionalmente empenhadas pelo Corpo de Bombeiros, pela Defesa Civil e por outras instituições”, disse o ministro.
Rio de Janeiro e Pernambuco
As Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 1028 e 1029 foram propostas pela Procuradoria-Geral da República contra leis de Pernambuco e do Rio de Janeiro que também instituem taxas de prevenção e extinção de incêndios em seus respectivos estados.
Em relação à ação que envolve cobranças do estado de Pernambuco, o relator, ministro Edson Fachin, votou para validar a taxa de prevenção e extinção de incêndios. No entanto, declarou parcialmente inconstitucional a taxa de vistoria veicular, por entender que “há usurpação da competência do ente central da federação”.
Fachin também validou a cobrança de prevenção e extinção de incêndios do Rio de Janeiro. Mas considerou a taxa de emissão de certidões parcialmente constitucional. Esclareceu que, quando forem voltadas para a defesa de direitos ou esclarecimentos de situação de interesse pessoal, devem ter a garantia de gratuidade.
O voto de Fachin foi seguido pelos ministros Dias Toffoli, Luiz Fux, Cristiano Zanin, André Mendonça, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.
O Recurso Extraordinário (RE) 1417155 (Tema 1.282 da repercussão geral) trata de uma lei do Rio Grande do Norte que criou o fundo especial de reaparelhamento do Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Norte (Funrebom) e instituiu taxas de exercício do poder de polícia, com efeitos retroativos. O governo potiguar recorreu ao STF contra decisão do TJ/RN que declarou a cobrança inconstitucional. Um dos argumentos é de impacto financeiro, com estimativa de uma perda de arrecadação de R$ 2,8 milhões por mês.
O relator, ministro Dias Toffoli, deu provimento ao recurso e votou para validar a taxa. Ele entendeu que serviços como combate a incêndios, busca e salvamento podem ser considerados específicos e divisíveis. O ministro destacou que a atuação dos Corpos de Bombeiros vai além da segurança pública desenvolvendo atividades também de defesa civil.
Além disso, ressaltou que a arrecadação é importante para a manutenção da corporação e melhoria das condições de trabalho. Ressaltou que os valores variam de acordo com vários fatores e critérios técnicos. E reforçou que não se trata de atividade de fiscalização e sim de serviço público.
O ministro propôs a seguinte tese no tema 1.282 da repercussão geral.
“São constitucionais as taxas estaduais pela utilização, efetiva ou potencial, dos serviços públicos de prevenção e combate a incêndios, busca, salvamento ou resgate prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição pelos corpos de bombeiros militares.”
Toffoli foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Cristiano Zanin, André Mendonça, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.
Divergências
O ministro Alexandre de Moraes entendeu que a taxa de vistoria veicular pode ser cobrada e divergiu em parte de Fachin. Considerou que a matéria é ambiental e, por isso, os bombeiros devem ter essa atribuição. O ministro Luiz Fux acompanhou o entendimento de Moraes.
Já o ministro Flávio Dino divergiu em relação aos três casos e negou provimento às ações. Para ele, a corporação pode criar esse tipo de tributo, desde que o serviço seja divisível e específico.
“É possível o Corpo de Bombeiros cobrar taxa? Sim, desde que o serviço seja divisível, seja um serviço específico e divisível. Não é o caso de algum desses aspectos que estão sob escrutínio do tribunal”, disse Dino.
No entanto, criticou o que chamou de “canibalização do orçamento público” e a cobrança generalizada de taxas baseada apenas no tamanho do imóvel.
“Você pode ter uma casa menor de alto luxo e ela vai pagar uma taxa menor, uma casa maior para cara. Isto, realmente, a meu ver, não se compatibiliza com a natureza da taxa”, afirmou.
Dino foi seguido pela ministra Cármen Lúcia.