No palco da Sala São Paulo, os músicos da OSESP – Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, levantam-se para receber, de forma tradicional, seu regente titular Thierry Fischer e a soprano sul-africana Masabane Cecilia Rangwanasha, a solista convidada para a abertura da Temporada 2025. A plateia, lotada, aplaude sua orquestra. Vai começar mais um ano de grandes concertos. A soprano e os músicos se sentam. Apagam-se as luzes da sala.
Vemos apenas um facho de luz sobre o púlpito onde está o maestro. Como se viessem – e vêm – de fora da sala, à capela, oito vozes do Coral Osesp que quebram, assim, o impressionante silêncio que prenuncia a melodia entoada e que permanece quase suspensa no ar. Não vemos o coro, apenas ouvimos. É Crucifixus, uma peça sacra barroca composta pelo veneziano Antonio Lotti (1667-1740). Embora tenha sido um compositor prolífico, com uma carreira que se estendeu por mais de 50 anos, raramente Lotti tem suas obras apresentadas nos concertos atuais.
Crucifixus faz parte do Credo da Missa Sancti Christopheri, um moteto escrito para oito vozes, que se destaca pela sobreposição de registros, começando pelos baixos e subindo até os sopranos. Essa técnica cria suspensões surpreendentes que intensificam a expressão emocional da peça. As vozes entoam “Crucifixus etiam pro nobis sub Pontio Pilato: Passus, et sepultus est (Crucificado também por nós sob Pôncio Pilatos: Ele sofreu e foi sepultado).
Quando a peça, de cerca de quatro minutos, se encerra, acendem-se as luzes do palco, a soprano se levanta e imediatamente tem início a canção Primavera, a primeira das Quatro Últimas Canções de Richard Strauss (1865-1949). A poderosa voz de Masabane Cecilia Rangwanasha preenche toda a sala – é a sua estreia com a Osesp. Nascida na África do Sul, Masabane é uma jovem cantora de 31 anos que vem se destacando no cenário internacional.
Strauss escreveu suas quatro últimas canções em um período de profunda reflexão sobre um mundo em transição após a Segunda Guerra Mundial. Quando as criou, claro, o compositor alemão não sabia que seriam as suas últimas obras. Elas compõem uma poderosa e nostálgica despedida da vida e da arte. E na belíssima interpretação de Masabane Cecilia Rangwanasha traduzem toda a profundidade emocional e lírica de um adeus.
Para a segunda parte do concerto de abertura, Thierry Fischer rege uma Osesp em estado de graça na execução da esplêndida Sinfonia nº 5 de Gustav Mahler, uma das obras mais emblemáticas do compositor tcheco-austríaco. Uma sinfonia em cinco movimentos, que segundo Marc Vignal é “uma aventura sonora, nem ingênua, nem espiritual, mas com uma irradiada alegria”.
O quarto movimento, o famosíssimo Adagietto, é especialmente comovente e frequentemente interpretado como uma declaração de amor à esposa de Mahler, Alma. Completada em 1902, a sinfonia começa com uma marcha fúnebre sombria e culmina em um final triunfante, refletindo uma jornada emocional e rica.
Para assistir o concerto ao vivo, acesse:
Concerto Digital: Lotti e Strauss na abertura da Temporada 2025 – Youtube
Jeffis Carvalho é jornalista, roteirista e editor de Cinema do Estado da Arte, do Estadão.
* Os textos das colunas, análises e artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do Hjur.