Lá se vai o homem mais digno que conheci. Pepe Mujica era a dignidade encarnada.
Tive a oportunidade de estar com ele na intimidade da sua “finca”, nos arredores de Montevidéu. Faz 13 anos. Ele havia acabado de descriminalizar a maconha; eu, repórter, fui lá para saber que revolução era aquela.
Foi a mulher dele, a senadora Lúcia Topolansky, quem franqueou meu acesso ao sítio onde eles viveram desde que saíram do cárcere. Ela era agora a presidente do Senado e não conseguiu resistir aos meus apelos — às minhas súplicas! — para que Mujica me concedesse uma entrevista.
Quando cheguei, encontrei a senadora estendendo num varal roupas que havia acabado de lavar. Ao fundo havia uma casa pequena e muito modesta. Uma casa branca, quadradinha, duas águas, 45 metros quadrados. Era ali que vivia o Primeiro Casal do Uruguai.
Nenhum luxo, da indumentária aos hábitos mais evidentes. Tudo era espartano e singelo: roupas puídas pelo tempo, calçados velhos e rotos, como qualquer pequeno sitiante das periferias do mundo. E uma cuia de chimarrão.
Quando me convidou para conhecer a casa, Lúcia Topolansky contou que a chácara, de 14 hectares compartilhados com outros três vizinhos, foi comprada em 1985. Ela e Mujica plantaram flores para sobreviver, muitas flores.
Em nada o casal enseja algo do que se espera de quem ficou 12 anos na cadeia, 11 dos quais em poços e solitárias. Não identifiquei nenhum sinal de amargura ou ressentimento legado das incontáveis sessões de tortura.
Mujica tem pequena estatura; eu, 1 metro e 90. Mas ao encará-lo ali a poucos centímetros de distância, em me sentia como quem olha para catedral gótica, ridiculamente pequeno.
Conheci o Fusca que a família havia comprado zero quilômetro 20 anos antes, e nunca vendeu porque os impostos são baratos, a manutenção, ídem, e há peças de reposição em todo lugar. Fiquei imaginando como Pepe e sua companheira Lúcia se aboletaram naquele carro para ir à cerimônia de posse de ambos.
Depois conversamos sobre a maconha. Uma longa entrevista explicando por que ele decidiu afrontar os preconceituosos, os reacionários, os religiosos e todos os que tentaram impedir a descriminalização da maconha. E não foi pouca gente.
Levei dele para sempre uma imagem enternecedora. Homens como ele existem. São raríssimos, mas existem. E sempre existe a esperança de que surja outro, talvez não do mesmo tamanho, mas de alma e coração tão bons quanto os de Pepe Mujica.
Revejo sempre a reportagem que fiz. Essa série, inspirada na revolução que ele fez no Uruguai, me valeu um Prêmio Esso.
Nunca vou esquecê-lo. E espero que a humanidade, também não.
Se quiser saber o por quê, deixo aqui uma resposta simples: porque são homens como ele que vão vencer a distopia e trazer de volta valores como dignidade, humanidade, honestidade e honra.