O 2º Juizado Especial da Fazenda Pública do Distrito Federal condenou o governo do Distrito Federal a pagar pensão mensal a uma mulher que manteve como filho, por muitos anos, um rapaz morto por disparo de arma de fogo que partiu de um policial militar em serviço. A decisão teve caráter peculiar pelo fato de ter sido reconhecido, pela Justiça, que apesar de a mulher não ser mãe biológica nem adotiva do rapaz, mantinha com ele um vínculo socioafetivo semelhante ao de mãe e filho. O que, conforme o entendimento do juiz, permite que se exija responsabilidade do Estado para com a autora da ação.
A mulher relatou, no processo, que em 2005 recebeu a guarda de criança pela mãe biológica e o criou como seu próprio filho, propiciando a ele todos os cuidados, educação e afeto que uma mãe biológica costuma oferecer. Destacou também que apesar de nunca ter sido formalizado qualquer processo de adoção, todos na sua família e na rua em que reside, assim como amigos da família, sempre consideraram a relação entre os dois como de mãe e filho.
Em 28 de janeiro de 2022, o jovem foi morto em decorrência de um disparo de arma de fogo efetuado por um policial militar em serviço. Foi quando ela resolveu ajuizar a ação judicial, pedindo reparação pelos danos materiais sofridos. Uma vez que o rapaz, que já trabalhava, contribuía com as despesas da casa. O Governo do Distrito Federal argumentou que não existe comprovação do vínculo maternal entre a autora da ação e a vítima. E solicitou a suspensão do processo até o julgamento da ação penal relacionada ao caso, sob a alegação de que a decisão criminal poderia influenciar a responsabilidade civil do Estado.
Relação comprovada
Para o juiz da vara que analisou o processo, está reconhecida a existência de vínculo socioafetivo entre a autora e o jovem falecido. O magistrado — cujo nome não foi revelado, assim como o da autora da ação porque o processo tramita sob segredo de Justiça — destacou que o relacionamento de mãe e filho foi “comprovado pelos elementos de tratamento e reputação, uma vez que a autora provia sustento, educação e afeto ao jovem e era reconhecida na comunidade como sua mãe”.
“Considerando a farta documentação que comprova que a filiação socioafetiva foi pública, contínua, duradoura e consolidada por quase 17 anos, existindo laços de afeto e tendo a mãe provido sustento e dirigido a educação do infante, constato ser incontroversa qualquer dúvida quanto `a parentalidade socioafetiva no caso”, afirmou o juiz.
A decisão também rejeitou o pedido de suspensão do processo feito pelo GDF, pois entendeu que a responsabilidade civil do Estado é independente da responsabilidade penal, conforme previsto no Código Civil. E condenou o Distrito Federal a pagar uma pensão mensal à autora, no valor correspondente a 2/3 do salário mínimo, desde a data do óbito do rapaz até a data em que a vítima completaria 25 anos. A partir daí, a pensão será reduzida para 1/3 do salário mínimo até a data em que o jovem completaria 75 anos ou até o falecimento da mãe.