Documentos e áudios interceptados pela Polícia Federal e revelados pelo site do ICL Notícias mostram que nos dias finais de 2022, enquanto o Brasil preparava-se para a transição presidencial, uma célula clandestina de agentes federais armados aguardava ordens para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. O grupo, formado por agentes da própria instituição, demonstrava disposição para confrontos violentos caso recebesse autorização do então presidente Jair Bolsonaro.
A confissão de um agente federal
No centro das revelações está Wladimir Matos Soares, agente da Polícia Federal que confessou à corporação ter integrado uma “equipe de operações especiais” preparada para atuar mediante ordem expressa de Bolsonaro. Em áudio anexado à Petição 13236, que tramita no Supremo Tribunal Federal, Wladimir declarou explicitamente suas intenções.
“Eu e minha equipe estamos com todo equipamento pronto pra ir ajudar a defender o PALÁCIO e o PRESIDENTE. Basta a canetada sair!”, afirmou no áudio interceptado. O conteúdo da mensagem revelava não apenas a existência do grupo paramilitar, mas também sua disposição para ações extremas.
A gravidade da situação é amplificada quando, em outro trecho, o agente federal menciona que o grupo estava disposto a usar violência letal para garantir a permanência de Bolsonaro no poder: “A gente ia empurrar meio mundo de gente, pô. Matar meio mundo de gente. Estava nem aí já, cara”, confessou.
Comando estruturado e articulações militares
As investigações mostram que não se tratava de uma iniciativa isolada. Wladimir relatou ter sido convocado por outros dois agentes da PF, identificados apenas como Ramalho e Marcelo, para formar uma linha de contenção armada caso Bolsonaro decidisse não transmitir o cargo ao presidente eleito.
“Essa equipe referida pelo APF Ramalho faria a segurança do Palácio do Planalto e do então presidente Jair Messias Bolsonaro caso ele resolvesse não entregar a faixa presidencial”, declarou em depoimento oficial à Polícia Federal.
Conexões com as Forças Armadas
Em mensagens trocadas nos dias anteriores à posse presidencial, o agente discute abertamente o cenário de ruptura institucional com seus interlocutores. Esses documentos revelam algo ainda mais alarmante: o suposto apoio de setores da Marinha, então comandada pelo almirante Almir Garnier, ao plano golpista.
Ao mesmo tempo, Wladimir expressa frustração com o Exército, acusando os generais de terem recuado de última hora: “Os generais se venderam ao PT no último minuto que a gente ia tomar tudo”, escreveu em uma das mensagens capturadas.
Uma trama institucionalizada
A existência dessa célula dentro da própria Polícia Federal — descrita pelos investigadores como uma “tropa paralela” — revela a profundidade e o nível de institucionalização da tentativa de golpe de Estado. O planejamento incluía uma estrutura operacional completa, com distribuição de tarefas, planejamento logístico e preparação para confrontos armados.
Esse esquema clandestino, formado por agentes com treinamento oficial e acesso a armamentos e equipamentos do Estado, representa uma das mais graves ameaças à democracia brasileira já documentadas desde a redemocratização. Os envolvidos não eram civis desorganizados, mas profissionais treinados com “crachá da República”.
O golpe que não se concretizou
A concretização do plano dependia de uma ordem direta de Bolsonaro, conforme indicam as mensagens. No entanto, essa autorização nunca veio oficialmente. Dois dias antes da posse de Lula, o então presidente deixou o país rumo aos Estados Unidos, frustrando as expectativas do grupo paramilitar.
Mesmo assim, os homens estavam prontos e posicionados. Com armamentos, logística e determinação para executar ações extremas, aguardavam apenas o sinal para atravessar a linha da legalidade e iniciar um confronto que poderia ter resultado em um banho de sangue em plena Praça dos Três Poderes.
Implicações para a segurança institucional
O caso levanta questões graves sobre a infiltração de elementos antidemocráticos em instituições fundamentais do Estado brasileiro. A Polícia Federal, órgão responsável por investigar crimes contra a ordem pública e política, abrigava em seus quadros agentes dispostos a subvertê-la mediante ordens superiores.
Esse episódio expõe como a polarização política atingiu níveis perigosos dentro de instituições que deveriam se manter imparciais e comprometidas com a ordem constitucional, independentemente de preferências partidárias ou ideológicas de seus membros.
Investigações em andamento
A revelação dessa “tropa paralela” constitui parte das investigações mais amplas sobre a tentativa de golpe de Estado, que já resultou em indiciamentos de militares de alta patente, ex-ministros e do próprio ex-presidente Jair Bolsonaro por crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Os depoimentos de Wladimir e os áudios interceptados compõem um mosaico de evidências que demonstram não apenas a intenção, mas o planejamento concreto para impedir a posse de um presidente legitimamente eleito.
Uma ameaça à democracia
O episódio escancara a proximidade que o Brasil esteve de um rompimento institucional violento. Não se tratava de retórica inflamada em discursos políticos ou manifestações isoladas, mas de um plano estruturado, com agentes treinados, armas oficiais e determinação para o confronto.
A gravidade dos fatos revela que a tentativa de golpe foi além do planejamento abstrato, chegando ao nível operacional, com homens posicionados e prontos para agir mediante uma simples ordem. Esse cenário evidencia como instituições democráticas podem ser ameaçadas de dentro para fora, quando seus próprios agentes se voltam contra a ordem que juraram defender.