A regulamentação das redes sociais é considerada um dos julgamentos mais importantes dos últimos tempos no Supremo Tribunal Federal. São analisados dois recursos que discutem a responsabilidade civil das plataformas por conteúdos de terceiros e a remoção de material ofensivo, sem ordem judicial. A análise foi suspensa no dia 18/12, após o pedido de vista do ministro André Mendonça, e o julgamento deve ser retomado a partir de março.
Recentemente, com a decisão do CEO da Meta, Mark Zuckerberg, de acabar com a checagem de fatos em suas plataformas – Instagram, Facebook e Whatsapp – o tema da regulação das redes sociais voltou a ter destaque no noticiário.
O advogado Frank Ned, especialista em inteligência artificial, reforça a necessidade de regulação das plataformas. Ele afirmou que não se pode admitir mais o atual estado das coisas, em que “conteúdos que flagrantemente são impróprios, inadequados, violam direitos, possam permanecer nas plataformas e elas alegarem que não é culpa delas, que simplesmente foi um conteúdo colocado por terceiro”.
No entanto, considera que a discussão sobre a constitucionalidade do artigo 19 pelo Supremo não é a via mais adequada e que caberia ao Legislativo criar uma nova norma.
“Na minha leitura não é o melhor caminho. Me parece que, nesse sentido, o Judiciário tenta fazer um papel que é do Legislativo, legislar, criar uma norma”, afirmou.
Sobre a possibilidade de se ampliar o debate incluindo o uso da inteligência artificial, sugerida pelos ministros Luiz Fux e Alexandre de Moraes, Frank Ned acha arriscado. Ele explica que se trata de um tema extremamente novo e amplo e criar um marco, agora, pode ficar defasado no futuro.
“Tentar trazer um tema tão amplo para essa discussão pode gerar mais novidade do que esclarecimento”, concluiu.
Para o advogado Rodrigo da Costa Alves, especialista em proteção e uso de dados, se o Supremo considerar o artigo 19 inconstitucional, isso criaria uma situação preocupante.
“Aconteceria o que chamamos de ”chilling effect” (“efeito inibidor”), ou seja, no contexto das redes sociais, isso pode levar as plataformas a removerem conteúdos de maneira excessivamente cautelosa ou a limitar o alcance de determinadas postagens para evitar possíveis sanções legais, mesmo que o conteúdo não seja, de fato, ilegal”.
Ele avalia que a decisão poderia afetar a liberdade de expressão.
“Isso teria um efeito bastante negativo para o exercício da liberdade de expressão, pois para evitar sanções, as plataformas fariam a exclusão de todo e qualquer conteúdo que pudesse representar algum dano”.
Por fim, reconhece a necessidade de regulação, mas sugere outro caminho.
“ Entendo que o regime disposto no art. 19 precisa de ajustes e as plataformas devem ter mais deveres no que diz respeito à moderação de conteúdo. No entanto, a solução deve ser pensada de uma maneira que não torne o que temos hoje mais complexo e prejudicial às plataformas e usuários”.
Votos dos ministros
Três votos foram apresentados até agora. Os relatores dos dois recursos, ministros Dias Toffoli (RE 1037396) e Luiz Fux (RE 1057258/MG) negaram o provimento das ações e defenderam a responsabilização dos provedores, declarando que o artigo 19 do Marco Civil da Internet é inconstitucional. Já o ministro Luís Roberto Barroso votou pela parcial inconstitucionalidade do dispositivo.
Último a votar antes da suspensão do julgamento, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que o artigo 19 apesar de ser “insuficiente, não deve ser eliminado”.
Barroso considera que, se a plataforma for notificada de que algo representa crime, como a criação de perfil falso, não é necessária ordem judicial de retirada. Porém afirmou ser “legítimo que, em muitas situações, a remoção de conteúdo somente deva se dar após ordem judicial”.
Defendeu que a responsabilidade por conteúdos de terceiros deve ser subjetiva e, em caso de dúvida, cabe ao Judiciário decidir.
O ministro Luiz Fux ressaltou que o Artigo 19 permite que as plataformas fiquem numa “zona de conforto”, em que só podem ser responsabilizadas por conteúdos ilícitos de terceiros após ordem judicial.
Defendeu que, após a notificação, os provedores devem retirar o conteúdo de forma imediata e que as plataformas têm o dever de monitorar casos de discursos de ódio, racismo, pedofilia, incitação à violência e apologia ao golpe de Estado. Propôs também que os provedores tenham responsabilidade civil se houver lesões a direitos quando houver impulsionamento de conteúdo.
O relator do outro recurso, ministro Dias Toffoli, também considerou o Artigo 19 inconstitucional e sugeriu que passe a valer como regra geral para os provedores de internet o artigo 21 do Marco Civil, que estabelece a retirada do conteúdo após simples notificação extrajudicial.
Para Toffoli, não é necessária a notificação prévia do ofendido à plataforma em casos de conteúdos ilícitos e ofensivos.