O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a nulidade absoluta de doação inoficiosa — nome dado à doação que excede metade do patrimônio do doador e compromete a parte legítima dos herdeiros necessários — feita por meio de escritura pública de partilha em vida, na vigência do Código Civil de 1916.
Na avaliação dos integrantes da 3ª Turma do STJ, no julgamento do Recurso Especial (Resp) Nº 2.107.070, mesmo que os herdeiros tenham concordado na época com a divisão desigual dos bens e dado quitação mútua e plena, com renúncia a eventuais ações futuras, a doação não pode ser convalidada.
O processo em questão envolve um casal que firmou escritura pública de partilha em vida, em 1999, doando seu patrimônio aos dois filhos. Mas enquanto a filha recebeu imóveis no valor de R$ 39 mil, para o filho foram doadas cotas de empresas que correspondiam a mais de R$ 711 mil. A filha recorreu ao STJ após o tribunal de origem julgar improcedente a ação declaratória de nulidade de doação inoficiosa ajuizada por ela.
De acordo com a relatora do caso no Tribunal, ministra Nancy Andrighi, para a verificação da validade da doação deve ser considerado o momento da liberalidade, conforme a jurisprudência da Corte. Assim, como a escritura pública de doação foi lavrada em 1999, as regras aplicáveis ao caso são as do Código Civil de 1916.
Metade dos bens
Segundo destacou a magistrada, o artigo 1.776 daquele código (artigo 2.018 do CC/2002) dispõe que “a partilha, por ato entre vivos, somente será válida se respeitar a legítima dos herdeiros necessários”. A ministra explicou que a expressão “a legítima” corresponde à metade dos bens do doador existentes no momento das doações — a qual é reservada aos herdeiros necessários (ascendentes, descendentes, cônjuge) e não pode ser livremente doada.
A relatora enfatizou, ainda, que, conforme essa jurisprudência, desde que preservados os 50% do patrimônio legalmente comprometido, é possível que o doador beneficie mais um herdeiro do que outro. Mas, nessa hipótese, deve haver a expressa dispensa de colação — documento lavrado em cartório que indica que os bens doados integram a parte disponível do patrimônio da pessoa doadora, não caracterizando adiantamento de “legítima”.
“Embora a expressão no atual código seja diferente, permanece o entendimento sobre a nulidade absoluta do excesso da doação”, afirmou a ministra, ao acrescentar, em relação ao processo analisado, que “não restam dúvidas de que a doação que extrapolar a parte disponível será nula de pleno direito”.