O relatório da Polícia Federal de 884 páginas que detalha a trama para manter Jair Bolsonaro no poder após a derrota nas eleições presidenciais de 2022, descreve também a atuação de outros personagens importantes no plano de golpe de Estado. Entre os 37 indiciados, o general da reserva Walter Braga Netto, que era vice na chapa de Bolsonaro, teve um papel fundamental na elaboração do plano golpista e nos ataques contra quem se opôs ao golpe.
Segundo a PF, os elementos probatórios obtidos ao longo da investigação evidenciam a sua participação concreta nos atos relacionados à tentativa de golpe de Estado.
Reunião de 12 de novembro de 2022
De acordo com as investigações, o plano das ações clandestinas foi apresentado pelos denominados Kids Pretos, militares das Forças Especiais do Exército, em reunião realizada no dia 12 de novembro de 2022, na residência do general Braga Netto. O tenente-coronel Mauro Cid também participou da reunião.
O documento denominado “Punhal Verde Amarelo” foi elaborado e impresso no dia 09/11/2022, no Palácio do Planalto, pelo secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência, general Mário Fernandes.
Segundo o relatório da PF, depois de o plano ser aprovado por Braga Netto e pelos demais integrantes do grupo reunido na casa dele, os militares começaram a implementar a logística necessária para a execução dos atos.
A trama golpista previa assassinar o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, por envenenamento ou uso de químicos, e o então vice-presidente eleito Geraldo Alckmin.
O golpe seria consumado no dia 15/12/2022, na ação denominada “Copa 2022”, que tinha como objetivo prender ou matar o ministro Alexandre de Moraes.
Gabinete da gestão de crise
Em outra frente, os elementos de prova obtidos demonstram que o grupo investigado já atuava prevendo o cenário posterior à consumação do Golpe de Estado, vislumbrando um ambiente de crise decorrente da abolição do Estado Democrático de Direito.
A investigação descobriu que havia uma minuta para criação de um “Gabinete Institucional de Gestão da Crise”, que seria instituído pelo Gabinete de Segurança Institucional, no dia 16 de dezembro de 2022, um dia após a consumação do golpe de Estado. O gabinete ficaria sob o comando dos generais Braga Netto e Heleno.
O objetivo era assessorar o então presidente da República Jair Bolsonaro na administração dos fatos decorrentes da ruptura institucional, criando uma rede de inteligência e contrainteligência para monitorar o cenário pós golpe e ainda atuar no campo informacional para obter o apoio da opinião pública interna e internacional
Milícia digital
O relatório da Polícia Federal também mostra que foram identificados fortes e robustos elementos de prova que demonstram a participação ativa, ao longo do mês de dezembro de 2022, do general Braga Netto na tentativa coordenada dos investigados de pressionarem os comandantes da Aeronáutica, Baptista Júnior, e do Exército, Freire Gomes, a aderirem ao plano golpista.
De acordo com as investigações, o ex-ministro da Defesa e da Casa Civil determinou ao major Ailton Gonçalves Barros que direcionasse ataques pessoais (inclusive a familiares) ao general Freire Gomes e ao tenente-brigadeiro Baptista Júnior e, por outro lado, elogiasse o então comandante da Marinha, almirante-de-esquadra Almir Garnier Santos.
Segundo o relatório, Braga Netto ainda orientou a disseminação de notícias com o objetivo de atingir a reputação do general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, atual comandante do Exército, que também adotou uma posição institucional, opondo-se a qualquer ação ilícita das forças armadas.
Em resposta a mensagem enviada por Ailton Barros, pelo Whatsapp, conforme captura de tela efetuada em 14/12/2022 às 20h31min, Braga Netto encaminhou outra mensagem que teria recebido de um “FE” (Forças Especiais), com a seguinte afirmação: “Meu amigo, infelizmente tenho que dizer que a culpa pelo que está acontecendo e acontecerá e do Gen FREIRE GOMES. Omissão e indecisão não cabem a um combatente”.
Em resposta, Ailton Barros sugeriu continuar a pressionar o general Freire Gomes e caso ele insistisse em não aderir ao golpe de Estado afirmou: “vamos oferecer a cabeça dele aos leões”. Braga Netto concorda e dá a ordem: “Oferece a cabeça dele. Cagão”.
Ainda em 15/12/2022, o general Braga Netto enviou mensagem para Ailton Barros orientando-o a atacar o tenente-brigadeiro Baptista Júnior, a quem chamou de “Traidor da pátria”, e a elogiar Almir Garnier Santos.
A Polícia Federal descreve no relatório que Braga Netto vai além e determina que os ataques sejam direcionados também à família do então comandante da Aeronáutica. Diz: “Senta o pau no Batista Junior (…) traidor da pátria. Daí para frente. Inferniza a vida dele e da família”.
Logo depois, Braga Netto encaminha para Ailton Barros imagens do tenente-brigadeiro Baptista Júnior, associando o militar ao “comunismo” e ao então candidato eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
Na página 734 do relatório, a PF informa que em resposta ao envio de um currículo, Braga Netto disse: ”Cordeiro, se continuarmos, poderia enviar para a Sec Geral. Fora isso vai ser foda”. Ou seja, para a PF, o general, no dia 27 de dezembro de 2022, ainda expressava a possibilidade de o grupo político de Bolsonaro continuar no poder. Nessa data, a chapa presidencial vencedora das eleições de 2022 já tinha sido diplomada e faltavam poucos dias para a posse do presidente da República eleito.
Veja a integra do relatório.