O escritório ficou para trás e as bicicletas tomaram o lugar das canetas e computadores. Um grupo formado por advogados brasileiros e seus familiares trocou processos e tribunais para embarcar em uma aventura de 600 quilômetros pela Europa. São 17 dias pedalando por terras portuguesas, em um percurso que começou em Seia, cidade do distrito da Guarda, na província da Beira Alta, no dia 30 de abril, rumo à Serra da Estrela, a cadeia montanhosa mais alta de Portugal, localizada próxima à fronteira espanhola.
São cerca de cinco horas de pedal por dia. O grupo de seis pessoas – que inclui não apenas advogados, mas também sociólogos, psicólogos e uma sexóloga – enfrenta a experiência com determinação. Todos estão na casa dos 60 anos ou mais, o que eles carinhosamente chamam de “melhor idade”, tornando a empreitada ainda mais desafiadora.
Em busca da “dopamina perdida”, como eles mesmos definem, esses aventureiros mostram que nunca é tarde para novas experiências.
Da ideia à estrada: como nasceu a aventura
O advogado Pedro Paulo Pannunzio conta que a ideia surgiu no ano passado, movida pelo desejo de vivenciar experiências inéditas. “Tá na hora de guardar emoções, sensações, conhecer coisas que provavelmente nossos antepassados não fariam”, afirmou ele, destacando a importância de colecionar memórias nesta fase da vida.
Para a sexóloga Ana Cláudia Simão, a jornada representa uma oportunidade de união em um cenário que exige superação constante. “É uma questão de qualidade de vida saudável e conhecimento”, explica ela, enfatizando os múltiplos benefícios da experiência.
Já a atriz Lavínia Azevedo Pannunzio revela que o entusiasmo do grupo aumenta a cada objetivo alcançado durante o percurso. Com bom humor, resume o espírito da aventura: “Estamos em busca da dopamina perdida”.
Desafios e descobertas no caminho
Apesar de utilizarem bicicletas elétricas, os aventureiros não escapam do esforço físico – é preciso pedalar de verdade. O curioso é que, segundo eles próprios, não houve uma preparação física específica para enfrentar o desafio. Como brincam entre si, partiram apenas com “a cara e a coragem”.
Para Célia Lodi, economista e psicóloga, a viagem “significa superar obstáculos e barreiras, conhecer novas realidades e a possibilidade de andar de bicicleta com segurança”, algo que, segundo ela, seria difícil de fazer no Brasil: “No Brasil, você não consegue, é assaltado”, completou, fazendo uma comparação com a sensação de segurança que encontraram em Portugal.
Um aspecto interessante destacado por Adriana Pannunzio, socióloga, é a dinâmica de convivência intensa do grupo. Ela explica que após os 60 anos, os planos precisam ser baseados no presente. “É preciso viver o aqui e agora, experimentar coisas, realizar coisas que ainda temos condição e capacidade física”, ressaltou. No entanto, para ela, o mais desafiador e enriquecedor tem sido a experiência de conviver e decidir coletivamente: “chegar no consenso desde a hora que acorda até a hora que vai dormir”.
Para além do turismo convencional
O advogado Luís Antônio Hajnal oferece uma perspectiva pragmática sobre a escolha por esse tipo de viagem. Ele observa que as possibilidades de turismo e lazer tendem a se tornar mais restritas com o avanço da idade, e por isso o grupo optou por algo que conseguisse unir os benefícios da atividade física à diversão.
“A curtição é mais importante. Você esvazia a cabeça e está só passeando, numa época da vida que a gente começa a sentir que precisa fazer coisas que poderia ter feito antes, mas não fez”, reflete Hajnal, resumindo o sentimento que parece unir esses aventureiros tardios.
No roteiro, estão previstas passagens por aproximadamente sete aldeias históricas de Portugal até o destino final. Em uma das paradas mais interessantes até agora, os ciclistas conheceram a vila de Monsanto, que serviu de cenário para a gravação de cenas da aclamada série “Game of Thrones”, adicionando um toque cultural à aventura.
Logística e segurança
Iniciada em 30 de abril, a viagem deve se estender até 16 ou 17 de maio, quando os ciclistas esperam chegar à Serra da Estrela. Nem mesmo um temporal inesperado encontrado pelo caminho foi capaz de desanimar o grupo ou alterar significativamente a rota planejada.
Pensando na segurança, uma integrante do grupo acompanha todo o trajeto de carro, oferecendo suporte em caso de emergências – uma precaução importante considerando a idade dos participantes e a extensão do percurso.
A logística das paradas para refeições e pernoites foi parcialmente planejada com antecedência. Boa parte das hospedagens foi reservada antes mesmo do início da aventura, enquanto outros locais são escolhidos ao longo do caminho, permitindo alguma flexibilidade no roteiro.
E na bagagem, além de equipamentos, os ciclistas não esqueceram de carregar itens emblemáticos da gastronomia portuguesa: bacalhau, vinho branco e pastel de nata fazem parte do kit de sobrevivência desses aventureiros da melhor idade, que provam que a vontade de explorar novos horizontes não tem idade.