A inclusão de três mulheres nas listas tríplices para o preenchimento de duas vagas no Superior Tribunal de Justiça, deixadas por duas magistradas, e a nova composição da 2ª turma de julgamentos no Tribunal Superior do Trabalho, formada apenas por mulheres, são dois fatos recentes que fizeram reacender o debate sobre a paridade de gênero no Judiciário.
A escolha de dois nomes entre os seis indicados para as vagas no STJ – três homens e três mulheres – é prerrogativa do presidente da República e pela Constituição ele nem precisa escolher nomes dessas duas listas.
A formação de uma turma no TST formada só de magistradas mulheres é vista como um avanço, mas a paridade de gênero no Judiciário é um objetivo ainda muito distante.
Medidas voltadas para redução da distância de gênero nos tribunais têm sido insuficientes, destacam especialistas. Uma delas é a resolução do Conselho Nacional de Justiça, aprovada em setembro de 2023, que determinou que, em primeiro e segundo graus, deve existir equidade na promoção de juízes e juízas ao cargo de desembargadores.
A resolução do CNJ dispõe também sobre ações afirmativas de gênero para acesso das juízas aos tribunais de segundo grau. Prevê, por exemplo, que os tribunais do país utilizem uma lista de indicações exclusiva para mulheres, alternada com a lista mista tradicional, nas promoções pelo critério de merecimento dos tribunais.
Entretanto, os tribunais superiores ficaram de fora das regras do CNJ e nesses tribunais a situação é ainda mais desigual. No Supremo Tribunal Federal, que tem 11 integrantes em sua composição, existe apenas uma mulher: a ministra Cármen Lúcia. No Superior Tribunal Militar, que conta com 15 ministros, também tem apenas uma mulher: a ministra Maria Elizabeth Rocha.
No Tribunal Superior do Trabalho, dos 27 ministros com assento na Corte, só sete são mulheres. No Tribunal Superior Eleitoral, a composição formada por sete ministros titulares e sete suplentes tem apenas duas mulheres entre os titulares – incluindo a presidente, ministra Cármen Lúcia) – e duas entre os suplentes.
No STJ, a situação é ainda pior. A composição do tribunal tem 33 ministros e no momento atuam 31, já que duas cadeiras estão vagas. Desse total, apenas cinco são mulheres: as ministras Nancy Andrighi, Maria Thereza de Assis Moura, Isabel Gallotti, Regina Helena Costa e Daniela Teixeira.
Ampla minoria
Nos seis Tribunais Regionais Federais a disparidade de gênero também é enorme. No TRF 1, por exemplo, existem hoje 42 desembargadores no total, sendo 33 homens e nove mulheres. No TRF 2, dos 36 integrantes do colegiado, só seis são mulheres. No TRF3, dos 52 assentos, 13 são ocupados por representantes do sexo feminino.
No TRF 4, dos 36 cargos de desembargadores, as mulheres ocupam nove. No TRF 5, são apenas duas desembargadoras para um colegiado formado por outros 22 desembargadores homens. E no TRF 6, a composição é de 15 desembargadores homens e três desembargadoras mulheres.
O último levantamento feito pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ sobre o tema, em 2022, constatou que dos 17.670 magistrados em atividade no Brasil, somente 37,3% são mulheres — sendo que, deste total de magistradas, cerca de 40% atuam na primeira instância e apenas 21,2% na segunda instância.
A conselheira Renata Gil, do CNJ, considera a resolução do Conselho um avanço, embora reconheça que o resultado ainda é pequeno. Ela disse esperar que, no futuro, o país venha a ser referência “pelos passos largos dados após a instituição das listas alternadas”.
Na visão da procuradora Raquel Branquinho, do Ministério Público Federal, a falta de equidade de gênero afeta tanto o Judiciário como o país como um todo. Ela destaca que o país tem uma sociedade machista, que se caracteriza pela exclusão das mulheres em todo tipo de espaço público. “Infelizmente, ainda é comum a mulher estar ligada ao cuidado da família e não a espaços de representatividade, quando deveria ser justamente o contrário”, enfatiza.
A mesma observação é feita por integrantes da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União (Fenajufe), que há anos destaca a importância de maior participação das mulheres no Sistema de Justiça do Brasil e dos países da América Latina. Inclusive, por meio de atuação em movimentos sociais diversos e em seminários.
“Precisamos ocupar os espaços de poder para garantir nossa escuta e precisamos não só de paridade quantitativa”, disse a coordenadora da Fenajufe Lucena Pacheco Martins, cujo pensamento é compartilhado com a colega Sandra Cristina Dias, também coordenadora da entidade.
“Nossa luta será mais forte e resistente quando todas enfrentarem confrontos e desafios unidas e determinadas a não deixar ninguém para trás”, frisou.
Para Sandra, as mulheres precisam atuar “por melhores condições de trabalho, na ocupação de espaços políticos e centros de poder para superar definitivamente a predominância do patriarcado em lugares nossos por direito”.
Avanço com significado especial
No TST, um movimento recente, favorável às mulheres, é motivo de muito orgulho. A Corte passou a ter a 2ª Turma composta, de forma inédita, somente por mulheres. São elas as ministras Maria Helena Mallmann, Delaíde Miranda Arantes e Liana Chaib.
Para a ministra Maria Helena Mallmann, o fato de o TST ter o primeiro órgão fracionário nos tribunais superiores com participação exclusiva de ministras possui um significado especial.
“Foi uma longa caminhada que traçamos para que se chegasse até esta formação. Sou de uma geração em que nós, mulheres, éramos questionadas nos concursos públicos sobre nosso estado civil e, a depender da resposta, não nos era sequer possibilitado fazer o concurso”, ressaltou.
Direito, não privilégio
Integrantes do coletivo intitulado ‘Elas Pedem Vista’, formado por advogadas, enviaram uma carta ao presidente Lula pedindo que os dois novos cargos de ministro do Superior Tribunal de Justiça sejam ocupados por mulheres. No documento, afirmam que “a representatividade feminina no STJ é um direito, não um privilégio”.
E que “a escolha de mulheres para o cargo é uma necessidade e diz respeito ao avanço político-social do país”. Destacam, ainda, que a necessidade dessas vagas serem ocupadas por mulheres é “para que não haja um retrocesso no avanço da igualdade de gênero no Judiciário”. Lembrando que as duas vagas abertas no STJ eram ocupadas pelas ministras ministras Laurita Vaz e Assusete Magalhães, que se aposentaram.