A saúde mental no Poder Judiciário brasileiro enfrenta uma crise silenciosa e subestimada. Dados revelados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) expõem uma realidade preocupante: enquanto pesquisas independentes apontam que 78% dos magistrados do Ceará sofrem de ansiedade, nervosismo ou depressão, os números oficiais registraram apenas 69 magistrados afastados por transtornos mentais em todo o país durante 2023.
A discrepância entre os dados oficiais e a realidade é gritante. O Censo do Poder Judiciário demonstra que 58,5% dos magistrados brasileiros se autodeclaram com estresse e 56,2% com quadros de ansiedade. No entanto, os 69 afastamentos registrados oficialmente representam menos de 0,5% do total de 18.642 juízes em atuação no Brasil.
O estigma por trás dos números
A explicação para essa distorção revela um problema ainda mais grave: o estigma associado aos transtornos mentais no ambiente judicial. Segundo o conselheiro Guilherme Feliciano, relator das mudanças na Política de Atenção Integral à Saúde de Magistrados e Servidores, a subnotificação ocorre porque magistrados e servidores evitam licenças superiores a 30 dias para não serem associados ao estigma dos transtornos mentais.
“Identificamos um cenário igualmente problemático: o estigma. Magistrados e servidores não pedem licenças para além dos 30 dias exatamente para não terem o estigma do transtorno mental ou do transtorno comportamental”, alertou o conselheiro, que preside o Comitê de Atenção Prioritária à Saúde de Magistrados e Servidores.
Mudanças aprovadas para capturar a realidade
Para combater essa subnotificação sistemática, o CNJ aprovou alterações significativas na coleta de dados sobre saúde mental no Judiciário.
As principais mudanças incluem:
-Ooo monitoramento de afastamentos curtos: a partir de agora, qualquer afastamento, mesmo de apenas um dia, será registrado nos dados analíticos, permitindo uma visão mais precisa da realidade.
-Segmentação detalhada: os novos protocolos incluirão informações sobre sexo, faixa etária, grau de jurisdição, tipo de atuação, lotação e regime de trabalho (presencial, híbrido ou remoto).
-Acesso direto a dados: O CNJ terá acesso direto a informações por meio do Módulo de Pessoal e Estrutura Judiciária Mensal do Poder Judiciário (MPM), eliminando a necessidade de coleta manual de algumas variáveis.
Um problema de dimensões nacionais
Os dados alarmantes do Ceará não representam uma exceção regional, mas sim um reflexo da pressão sistêmica enfrentada pelo Judiciário brasileiro. A alta prevalência de transtornos de ansiedade e depressão entre magistrados e servidores indica que a carga de trabalho, a responsabilidade das decisões e a pressão social estão cobrando um preço alto da saúde mental dos profissionais.
A implementação dessas mudanças na coleta de dados representa um primeiro passo crucial para dimensionar adequadamente a crise de saúde mental no Poder Judiciário e desenvolver políticas públicas eficazes de prevenção e tratamento.
Com informações mais precisas, será possível identificar perfis de risco, desenvolver estratégias preventivas direcionadas e, principalmente, quebrar o tabu que impede profissionais do Judiciário de buscar ajuda quando necessário.
*Com informações do CNJ