Em recentes decisões, o Supremo Tribunal Federal vem consolidando seu entendimento definido no julgamento da ADPF 324 e do Recurso Extraordinário nº 958.252 (Tema 725) acerca da legalidade da terceirização e da pejotização nas relações de trabalho.
Tais decisões foram proferidas em razão de reiteradas manifestações da Justiça do Trabalho que desrespeitaram a tese definida pela Corte em caráter vinculante.
A repercussão do tema foi reconhecida com o objetivo de examinar a alegada inconstitucionalidade da Súmula n.º 331 do Tribunal Superior do Trabalho, no que se refere à proibição da terceirização de atividades-fim e responsabilização do contratante pelas obrigações trabalhistas referentes aos empregados da empresa terceirizada.
Isso porque no Tema 725 foi firmada a tese de que “… é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante…”.
Apesar de o julgamento do STF em sede de repercussão geral ter ocorrido em agosto de 2018, nos últimos anos, a Justiça do Trabalho tem sido refratária a esse entendimento, o que tem gerado uma infinidade de decisões conflitantes acerca do assunto.
No entendimento majoritário encampado na Justiça do Trabalho, o contrato de prestação de serviços entre pessoas jurídicas, na verdade, nada mais é do que uma fraude para mascarar uma relação de emprego, pois o trabalhador recebe o mesmo tratamento de um celetista, mas a contratação por esse meio se torna muito mais econômica para o empregador.
Por outro lado, o STF apoia-se na premissa de que é lícita “qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas” e valida, para além da terceirização da atividade-fim, a pejotização por meio de contrato de prestação de serviços entre pessoas jurídicas, notadamente para trabalhadores hipersuficientes, ou seja, aqueles que possuem nível superior e remunerações mais elevadas.
A jurista e desembargadora aposentada Vólia Bomfim refere-se à hipersuficiência do trabalhador como base do entendimento do STF para validar diversas modalidades alternativas de contrato de prestação de serviços.
Ela destaca que a posição do STF prioriza a autonomia da vontade do contratado que negocia em pé de igualdade com o contratante, mas considera que falta clareza por parte da Corte para conceituar quais os critérios que definem quem é hipersuficiente.
Recentemente, o assunto foi debatido entre os ministros da 1ª Turma do STF, no julgamento do agravo regimental nº 67.348, de relatoria do ministro Flávio Dino. Na hipótese, o relator proferiu voto contrário à validade do contrato de prestação de serviços, sob o fundamento de que entendimento da ADPF 324 e Tema 725 refere-se à terceirização e que a pejotização deve ser analisada no caso concreto sob o aspecto da fraude trabalhista.
Na visão de Dino, os precedentes do STF estão sendo mal interpretados e a jurisprudência deve ser reanalisada para estabelecer uma distinção entre terceirização e pejotização, impondo limites que inviabilizem fraudes trabalhistas mascaradas de contrato de prestação de serviços.
Todavia, o ministro Alexandre de Moraes divergiu do relator para cassar a decisão e negar o reconhecimento de vínculo empregatício concedido pela Justiça do Trabalho, fundamentando-se no entendimento de que o contrato de prestação de serviços entre as partes delimitou claramente a ausência dos elementos necessários para a caracterização do vínculo empregatício.
Nesse sentido, a divergência inaugurada foi acompanhada pelos ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia, ratificando o entendimento da Suprema Corte quanto à licitude de qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas.
Para além da discussão no âmbito do Supremo Tribunal Federal, cumpre destacar que recentemente o ministro Alexandre Luiz Ramos, da 4ª Turma do TST, em decisão monocrática proferida no AIRR 1000555-20.2019.5.02.0077, reafirmou a legalidade da pejotização, em observância ao entendimento do STF, e reformou acórdão do TRT da 2ª Região.
Esse entendimento passa a reverberar também nos tribunais regionais, a exemplo do TRT da 3ª Região, que, no julgamento do processo nª 0010861-80.2023.5.03.0147, considerou que, apesar de o cirurgião dentista no caso concreto prestar serviços diretamente relacionados às atividades das empresas e seguir o cronograma definido pela clínica, tais elementos não foram suficientes para caracterizar o vínculo empregatício. Isso devido à existência de um contrato com o título de ‘Instrumento Particular de Contrato de Prestação de Serviços Odontológicos Autônomos e outras avenças’. Desse modo, inexistindo prova de fraude ou vício de consentimento, o contrato foi confirmado e a sentença que deferiu o vínculo empregatício reformada.
Dessa maneira, convém destacar que, apesar de vários movimentos da Justiça do Trabalho e, recentemente, da divergência inaugurada pelo ministro Flávio Dino no STF, o entendimento firmado no julgamento do Tema 725 vem sendo seguido pela Corte e começa a ser adotado no âmbito do TST, pelos tribunais regionais e juízes singulares, no sentido de que é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas.
* Gabriel Cunha Rodrigues é advogado atuante desde 2010, pós graduado em Direito do Trabalho, Direito Civil e Processual Civil, com registro na OAB/DF número 35.297.
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